Edição nº 94/2018
Brasília - DF, disponibilização terça-feira, 22 de maio de 2018
1º Juizado Especial Cível de Brasília # Itinerante
INTIMAÇÃO
N. 0705827-04.2018.8.07.0016 - PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL - A: CLARA LUCIA BORGES. Adv(s).: Nao
Consta Advogado. R: TRANSPORTES AEREOS PORTUGUESES SA. Adv(s).: DF52428 - JULIA VIEIRA DE CASTRO LINS. Poder Judiciário
da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS JEESPITINE Juizado Especial Itinerante de Brasília
Número do processo: 0705827-04.2018.8.07.0016 Classe judicial: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) AUTOR: CLARA
LUCIA BORGES RÉU: TRANSPORTES AEREOS PORTUGUESES SA SENTENÇA Cuida-se de ação de conhecimento, subordinada ao rito
sumaríssimo da Lei n. 9.099/1995, proposta por CLARA LUCIA BORGES contra TAP ? TRANSPORTES AÉREOS PORTUGUESES S/A. Narra a
autora que realizou contrato de transporte aéreo com a ré, em 24/12/2017, referente ao trecho Brasília/Lisboa/Milão/Brasília, mediante a emissão
de dois bilhetes aéreos, para si e seu marido, com ida prevista para o dia 23/02/2018 e volta para o dia 18/03/2018, pelos quais despendeu a
importância de R$8.435,42. Aduz que, por motivos de saúde de seu esposo, este ficou impossibilitado de viajar, pois foi diagnosticado com câncer,
razão pela qual, na data de 06/02/2018, dezessete dias antes da data de ida do trecho a ser realizado, entrou em contato com a ré requerendo
o cancelamento dos bilhetes, assim como reembolso integral do valor gasto, com o envio de documentos comprobatórios do estado de saúde
do seu marido, mas, após intensas tratativas para resolver o impasse, não obteve qualquer resposta. Com base no contexto fático, requereu
a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos materiais no importe de R$8.435,42, assim como indenização por danos morais,
no importe de R$10.000,00. A ré, em contestação, invoca excludente de responsabilidade, sob alegação de legalidade da cobrança efetuada,
porquanto as tarifas adquiridas são promocionais, razão pela qual não é possível o reembolso conforme requerido. Refuta, ainda, a existência de
danos morais no caso concreto. Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, não havendo mais questão de ordem processual
pendente, passo ao exame do mérito. Promovo o julgamento antecipado da lide, pois a questão deduzida em juízo prescinde de uma maior dilação
probatória (art. 355, I, do Código de Processo Civil). Deve ser observado que a relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo, pois
se enquadra nos conceitos previstos nos artigos 2º, caput e 3º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Logo, a lide deve ser solucionada
com a observância deste microssistema jurídico, sem prejuízo do diálogo de fontes. Restaram incontroversos nos presentes autos a desistência
da viagem por parte da autora, em razão de grave doença que foi acometido um dos passageiros, esposo da autora, com a comunicação à ré,
com dezessete dias de antecedência da data do trecho de ida da viagem programada; a tentativa de resolução do imbróglio por diversas vezes,
conforme relatos e documentação anexada com a petição de ID 17137809 ? Págs. 1/2, e em virtude de falta de impugnação específica da ré
(artigo 341, ?caput?, do CPC), assim como a intenção da ré efetuar a retenção do importe de USD 250 dólares por passageiro. A controvérsia
instaurada nos autos cinge-se à licitude da cobrança das referidas taxas e encargos exigidos em razão da desistência por parte dos autores. De
início, registro que o contrato de transporte é regido pelos artigos 730 e seguintes do Código Civil, devendo tal regramento ser interpretado ainda à
luz do Código de Defesa do Consumidor. A teor do artigo 740 do Código Civil, independentemente de a tarifa ser promocional ou não, o passageiro
tem direito à rescisão do contrato de transporte antes do início da viagem, "desde que feita a comunicação ao transportador em tempo de ser
renegociada". Trata-se de verdadeiro direito potestativo do consumidor, que não pode ser subtraído e ao qual o transportador deve se sujeitar,
devendo haver, tão somente, comunicação em tempo hábil para que o fornecedor do serviço possa renegociar o assento. No caso sob exame,
constato que os autores observaram essa condição, pois comunicaram à ré sobre a desistência dos trechos contratados com dezessete dias de
antecedência da data de partida do voo, período mais do que suficiente para a renegociação das passagens. Por outro lado, na esteira da dicção
legal, assiste direito ao transportador de retenção de parte do preço pago pelas passagens como multa compensatória, como preceitua o §3º do
artigo 740 do Código Civil, assim redigido: "§ 3º. Nas hipóteses previstas neste artigo, o transportador terá direito de reter até cinco por cento da
importância a ser restituída ao passageiro, a título de multa compensatória" (destaque nosso). No caso, a cláusula penal instituída pela companhia
como condição para o cancelamento foi de USD500,00 incidentes sobre o valor total dos bilhetes aéreos adquiridos, sendo o valor total de R
$8.435,42 (ID 17137778 ? Pág. 3). O importe exigido pela ré é exorbitante, uma vez que a penalidade atingiria grande parte do objeto contratado,
desnaturando-o. Nesse contexto, tal disposição contratual contraria a legislação de regência quanto aos limites que a cláusula penal pode ter e
deve ser restringida, conforme já adiantado, também em tributo às disposições do Código de Defesa do Consumidor, pois constitui medida que
coloca o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, inciso IV, §1º, inciso III, do CDC). Logo, tenho que, como os trechos foram adquiridos
por R$8.435,42, conforme comprovante de IDs 17137778 ? Pág. 3, é lídimo que a companhia retenha como cláusula penal pelo cancelamento dos
trechos (art. 740, §3º, CC), 5% deste valor, o que equivale a R$421,77, devendo ser restituído o valor remanescente, qual seja R$8.013,65 (oito
mil e treze reais e sessenta e cinco centavos). Esclareço que a restituição desse numerário é conseqüência lógica do desfazimento do contrato de
transporte, conduzindo as partes ao estado anterior, sob pena de se permitir o enriquecimento sem causa da companhia aérea, o que é vedado por
nosso ordenamento jurídico. Ademais, a teor do artigo 322, §2º, do NCPC, a interpretação do pedido deve considerar o conjunto da postulação,
pelo que o desfazimento do vínculo contratual é medida que se impõe. No que concerne aos danos morais, por certo que a demora na restituição
do valor da compra, cujo pedido foi efetuado em 06/02/2018, bem como o tempo utilizado pela consumidora para tanto, sem que houvesse ao
menos resposta da Requerida, viola direito da personalidade da autora. Em uma solução simplista, o desfecho do presente caso seria o julgamento
de improcedência do pedido de condenação da empresa ré, tendo em conta os argumentos de que são "meros descumprimento contratuais",
"meros aborrecimentos da vida em sociedade". Não obstante, tendo em conta as circunstâncias deste caso concreto, verifico que a luta da
consumidora para fazer valer seu direito e os transtornos a que foi submetida pela empresa ré desbordam em muito do "mero aborrecimento"
ou do "mero dissabor" do dia a dia nas relações sociais. Isso porque a conduta da requerida que se seguiu ao descumprimento contratual, ou
seja, a submissão da consumidora a inúmeros contatos, protocolos, call Center, ligações, e-mails, etc, a fim de ver restituídos os valores pagos
e indevidamente retido pela requerida, com o marido da autora sendo submetido a intensos e desgastantes procedimentos médicos, conforme
comprovado de forma inequívoca nos autos (ID 17137838 ? Pág. 4), em que pese a ausência de prestação dos serviços, viola os deveres de boafé e ofende os direitos da personalidade. A requerente demonstra, exaustivamente, o protocolo dos pedidos de cancelamento e reembolso junto à
requerida, de forma pormenorizada, com as petições de ID 13557910 - Pág. 1; ID 17137809 ? Págs. 1/2; ID 17137823 ? Págs. 1/3; ID 17137838 ?
Pág. 1/7; Sem resposta, demonstrou que procurou por e-mail e por via telefônica, em diversas oportunidades, a requerida, nada obtendo como
resposta, em situação que além do descaso, demonstra verdadeiro desprezo pela angústia e situação difícil que vivia a passageira e pela delicada
situação de seu cônjuge, também passageiro, acometido por um câncer, repise-se, fato que motivou o pedido de cancelamento. Nas relações
de consumo, diferentemente das relações contratuais paritárias, reguladas pelo Código Civil, o que se indeniza a título de danos morais é o
descaso, a desídia, a procrastinação da solução de um pedido do consumidor sem razão aparente por mais tempo do que seria razoável. E dois
são os argumentos para tal posicionamento nas relações de consumo: 1) O CDC consagra o direito básico de todo consumidor à reparação de
danos, sejam materiais ou morais, traduzindo-se esse direito como o direito de indenização dos prejuízos causados pelo fornecimento de bens
ou serviços defeituosos, por assistência deficiente ou por violação do contrato de fornecimento. Trata-se de importante mecanismo de controle
contra práticas comerciais abusivas, exigindo dos fornecedores condutas compatíveis com a lealdade e a confiança e 2) O caráter protetivo do
CDC, que busca a equalização das forças contratuais em favor da parte mais fraca, no caso o consumidor, pois quem detém a possibilidade de
resolver o problema que aflige o contratante é o fornecedor. É ele que detém a primazia nas ações que podem resolver os transtornos a que
é submetido o consumidor, o qual não tem qualquer ingerência sobre o processo de fornecimento do serviço. Em relação ao dano moral nas
relações de consumo, em que pese não exista uma relação exaustiva de hipóteses, deve o juiz atentar, em cada caso, para que a aplicação do
CDC sirva para modificar as práticas existentes atualmente. Na lição de Claudia Lima Marques, ?de nada vale a lei (law in the books), se não tem
efeitos práticos na vida dos consumidores (law in action) e no reequilíbrio das relações de poder (Machtpoistionen) e relações desequilibradas
e mesmo ilícitas. (...) Os danos materiais e morais sofridos pelo consumidor individual, porém, devem ser todos ressarcidos, pois indenizar pela
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