AUTOS Nº 0001266-24.2014.4.03.6106AÇÃO PENALAUTORA: JUSTIÇA PÚBLICAACUSADO: RENATO ADAUTO DE AZEVEDO VISTOS, I - RELATÓRIO O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
denunciou RENATO ADAUTO DE AZEVEDO como incurso nas penas dos delitos previstos no artigo 296, 1º, inciso I, do Código Penal, e artigo 29, 1º, inciso III, da Lei nº 9.605/98, alegando o seguinte:(...)No dia
26/07/2013, por volta das 15h, na Rua Olinto Domiciano, nº 1521, Centro, Onda Verde/SP, Renato Adauto de Azevedo foi surpreendido por policiais militares ambientais enquanto mantinha em cativeiro espécimes da
fauna silvestre nativa, marcadas com anilhas adulteradas.Consta dos autos que, ao realizar a diligência na residência do denunciado, os policiais ambientais encontraram em seu poder 33 (trinta e três) aves. Constatou-se que
24 das 52 que formalmente constituíam seu plantel não existiam fisicamente, havendo, de outro giro cinco pássaros que não constavam formalmente de seus cadastros (as aves de anilhas nºs 094034 e 525709 - irregulares-;
um pássaro-preto de anilha nº 398197; e dois canários-da-terra de anilhas nºs 432382 e 470087 - estes, regulares).Apurou-se, ainda que, dos 33 pássaros encontrados, 18 (dezoito) apresentavam as respectivas anilhas de
identificação adulteradas, sendo: 02 (dois) espécies pássaro-preto (Gnorimopsar chopi), 02 (dois) azulão verdadeiro (Passerina brissonii), 05 (cinco) trinca-ferros (Saltador similis), 03 (três) pássaro-preto (Scaphidura
oruzivora), 04 (quatro) canário-da-terra (Sicalis flaveola), 01 (um) coleiro do brejo (Sporophila collaris), e 01 (um) tico-tico (Zonotrichea capensis) (fls. 05).Perícia criminal realizada (fls. 21/29) em 13 (treze) destas anilhas
concluiu que todas eram irregulares (07 falsas e 06 com vestígios de adulteração mecânica do diâmetro, configurando-se anéis inidôneos e inautênticos para marcação de pássaros. Necessário se ressaltar que, dessas, à
exceção da anilha IBAMA AO 3.5481283, todas saíram facilmente, quando da verificação dos diâmetros (fl. 05).Conforme laudo biológico à fl. 10, os pássaros com anilhas nºs 376093 (Coleiro do Brejo) e 222487
(Azulão verdadeiro), ambas falsificadas, são consideradas, conforme disposto no Decreto 56.031/2010, do Estado de São Paulo, espécies ameaçadas de extinção.Cumpre salientar que as anilhas são anéis de metal,
codificados sequencialmente, e só podem ser fornecidas pelo órgão ambiental (IBAMA). São consideradas selo público, ou seja, sinais de autenticação de atos oficiais e, portanto, propriedade do governo brasileiro. Diante
do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia Renato Adauto de Azevedo como incurso nas penas do artigo 296, 1, inc. I, do Código Penal em concurso com as penas cominadas no artigo 29, 1º, inc. III,
c/c 4º, inc. I, da Lei nº 9.605/98, requerendo que seja o denunciado citado para responder aos termos da presente ação. Protesta ainda pela oitiva das testemunhas abaixo arroladas.(...) Recebi a denúncia em 3 de julho de
2014 (fls. 68/69), cujo feito teve seu trâmite normal, com juntada das folhas de antecedentes criminais (fls. 83, 86, 102/v, 115/v, 166/169 e 176/180); citação do acusado (fls. 90); nomeação de defensor dativo (fls. 92);
apresentação de resposta à acusação (fls. 97/99); manutenção do recebimento da denúncia (fls. 103/v); inquirição das testemunhas de acusação (fls. 123/126v) e interrogatório do acusado (fls. 150/152). As partes não
requereram diligências (fls. 155 e 157v). Em alegações finais (fls. 158/160v), a acusação sustentou, em síntese que faço, não haver como negar a prática criminosa imputada ao acusado, em face das provas contundentes de
materialidade e autoria, sendo que a primeira resta demonstrada no Boletim de Ocorrência (fls. 4/5), no Termo de Apreensão (fls. 8), no Exame de Constatação (fls. 8/9), no Laudo Biológico (fls. 10), no Termo de
Destinação de Animais (fls. 6/7) e no Laudo de Perícia Criminal Federal (fls. 21/29), enquanto a segunda resulta do fato do acusado ser criador de pássaros cadastrado pelo IBAMA, de modo que não há que se falar em
desconhecimento das normas, tendo plenas condições de verificar o estado das anilhas. Enfim, requereu a condenação do acusado. Também em alegações finais (fls. 164/165), a defesa alegou que, embora a autoria seja
inconteste, não restou devidamente comprovado que o acusado tinha conhecimento da falsidade e da adulteração das anilhas. Enfim, requereu a absolvição do acusado. É o essencial para o relatório. II - DECIDO
RENATO ADAUTO DE AZEVEDO foi denunciado pela suposta prática dos delitos descritos no artigo 296, 1º, inciso I, do Código Penal, em concurso com o artigo 29, 1º, inciso III, da Lei nº 9.605/98. Estabelece o
artigo 296, 1º, inc. I, do Código Penal:Art. 296 - Falsificar, fabricando-os ou alterando-os:(...)Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa. 1º - Incorre nas mesmas penas:(...)I - quem faz uso do selo ou sinal falsificado; Já
o artigo 29, 1º, inc. III, da Lei nº 9.605/98, prevê o seguinte:Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da
autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:Pena - detenção de seis meses a um ano, e multa. 1º Incorre nas mesmas penas:III - quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou
depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão,
licença ou autorização da autoridade competente. (...) A materialidade encontra-se devidamente comprovada pelo Boletim de Ocorrência (fls. 4/5), pelo Termo de Apreensão (fls. 8), pelo Exame de Constatação (fls. 8/9),
pelo Laudo Biológico (fls. 10), pelo Termo de Destinação de Animais (fls. 6/7) e pelo Laudo de Perícia Criminal Federal (fls. 21/29), que atestaram a existência de 18 (dezoito) anilhas com diâmetro maior que o padrão
estabelecido pela Instrução Normativa do IBAMA nº 10/2011, sendo que 13 (treze) delas foram facilmente retiradas dos animais e periciadas, concluindo, assim, os peritos que 7 (sete) eram falsas e 6 (seis) possuíam
vestígios de adulteração mecânica do diâmetro, configurando-se, portanto, anéis inidôneos e inautênticos para marcação de pássaros. A autoria restou igualmente provada, pois, no dia 26/07/2013, em diligência na
residência do acusado RENATO ADAUTO DE AZEVEDO, Policiais Militares Ambientais encontraram em seu poder 33 (trinta e três) pássaros da fauna silvestre nativa mantido em cativeiro, dos quais 18 apresentavam
anilhas de identificação adulteradas. Mais: constatou-se que 24 (vinte e quatro) das 52 (cinquenta e duas) aves que formalmente constituíam seu plantel não existiam fisicamente, havendo, ainda, 5 (cinco) pássaros que não
constavam, formalmente, de seus cadastros. Passo à análise da presença do dolo. Apreciando o conjunto probatório colhido nos autos, restou demonstrado que RENATO ADAUTO DE AZEVEDO é criador amador de
pássaros desde 2006, conforme histórico de anilhas (fls. 41/52) e declarações prestadas perante as autoridades policial e judicial (fls. 20 e 150/152). Em seu interrogatório judicial, o acusado afirma que é criador cadastrado
junto ao IBAMA. E mais: adquiriu os pássaros de outros criadores e não tinha conhecimento das adulterações nas anilhas. Ressaltou que eram feitas fiscalizações em sua residência há anos e que jamais foi encontrado
qualquer problema com o registro ou identificação das aves. (fls. 150/152). A testemunha Egivan Paes de Souza relatou que o acusado possuía pássaros em quase todos os cômodos da casa. Esclareceu que os fiscais
medem as anilhas com um paquímetro e se as anilhas forem autênticas, deverão ser colocadas no animal até os sete dias de vida, não sendo possível a colocação após esse período, salvo se tiverem sido adulteradas.
Recorda-se que algumas anilhas dos pássaros do acusado estavam com diâmetro maior e que algumas saíram do tarso do animal com facilidade (fls. 123/125), enquanto a testemunha Erik Lima Ferreira não se recordou
muito bem dos fatos (fls. 123/124 e 126). Pois bem. Não é crível que um criador de pássaros de longa data e que possui tanta familiaridade com o sistema eletrônico do IBAMA (conforme se observa no histórico do
SISPASS) não tivesse consciência da aparência que uma anilha verdadeira deveria ter ou da necessidade de registrar todos os pássaros que possuía ou de atualizar os dados de seu plantel perante o IBAMA. Ressalto que
13 (treze) anilhas foram facilmente retiradas dos tarsos das aves, o que demonstra que seu diâmetro interno estava efetivamente alargado para possibilitar a retirada sem causar lesões aos animais. Portanto, não tenho
dúvidas quanto à consciência e vontade do acusado em manter em sua posse pássaros da fauna silvestre nativa, sem a devida licença do órgão competente, bem como de que as anilhas, que 18 (dezoito) aves portavam,
estavam adulteradas. Revendo posição anteriormente adotada e sob a luz da atual jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais, não há que se falar em absorção de um delito por outro. Os crimes pelos quais RENATO
ADAUTO DE AZEVEDO é acusado tutelam bens jurídicos diversos e se originaram de ações diversas. Não há que se falar que o delito de uso de anilha adulterada ou falsificada, previsto no artigo 296, 1º, I, do CP, crime
contra a fé pública, seja crime-meio para a consumação do delito de guarda ilegal de pássaros, crime ambiental (art. 29, 1º, III, da Lei nº 9.605/98). As condutas são autônomas e tutelam bens jurídicos diversos, sendo,
portanto, inaplicável o princípio da consunção ao caso concreto. (Precedentes Jurisprudenciais: RES 00216588020124013400, TRF1, 3ª Turma, Des. Federal NEY BELLO, e-DJF1 26/11/2015; ACR
00093031920094036106, TRF3, 2ª Turma, Juiz Convocado FERNÃO POMPÊO, e-DJF3 Judicial 1 de 18/12/2013). Não se aplica ao caso o Princípio da Insignificância em razão da baixa relevância da lesão ao bem
jurídico tutelado. Deve ser ressaltado que o bem jurídico que a Lei nº 9.605/98 visa tutelar, está inserido nos denominados direitos de terceira geração, que também engloba o direito ao meio ambiente equilibrado e a
saudável qualidade de vida. Neste contexto, a captura de espécies da fauna silvestre sem o devido controle do órgão responsável deve ser veemente coibido, sob pena de favorecimento ao tráfico de animais silvestres.
Assim, conclui-se que o direito ao meio ambiente equilibrado é garantido pela Constituição Federal como um direito fundamental de terceira geração, que está diretamente relacionado ao direito à vida das presentes e das
futuras gerações e, assim, não há que se falar em insignificância da conduta que atinge o meio ambiente. É sabido que a atividade de criação amadorista de pássaros, desde 2001 passou a ser controlada diretamente pelo
IBAMA, sendo que a partir de então o manejo de passeriformes da fauna silvestre brasileira é coordenado pelo IBAMA, isso para todas as etapas relativas às atividades de criação, reprodução, manutenção, treinamento,
exposição, transporte, transferências, aquisição, guarda, depósito, utilização e realização de torneios. Desta forma, diante dos elementos constantes nos autos, concluo que o acusado, agindo de forma livre e consciente, com
a conduta de manter em cativeiro espécimes da fauna silvestre portando anilhas adulteradas, sem a devida autorização, agiu em desacordo com a legislação, enquadrando-se, portanto, nos tipos penais descritos nos artigos
296, 1º, inciso I, do Código Penal, e artigo 29, 1º, inciso III, da Lei nº 9.605/98. Entendo, também, que tendo sido claramente demostrada a intenção consciente do acusado na manutenção de pássaros da fauna silvestre
em cativeiro domiciliar portando anilhas adulteradas e, portanto, atingindo bens jurídicos diversos, a conduta de RENATO ADAUTO DE AZEVEDO culminou na prática de crimes não idênticos em concurso formal, como
define o artigo 70 do Código Penal, cuja consequência será valorada quando a individualização da pena. (Precedentes: ACR 00073389820124036106, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES, TRF3 QUINTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/05/2016). Embora sustente a acusação a existência de causa de aumento de pena, pois o acusado mantinha em cativeiro duas espécies de aves ameaçadas de extinção,
quais sejam, o Coleiro-do-Brejo e o Azulão Verdadeiro (Laudo Biológico de fls. 10), de acordo com o Laudo de Perícia Criminal Federal (fls. 29):Nenhuma das espécies citadas no Boletim de Ocorrência Ambiental nº
130902, cuja cópia acompanhava o expediente de referência, consta na lista nacional das espécies da fauna brasileira ameaçadas de extinção (MMA - 05/2003).Nos anexos I e II do Decreto Estadual (SP) nº 56.031 de
20/07/2010, as espécies azulão (Cyanocompsa brissonii) e coleiro-do-brejo (Sporophila collaris) constam como vulneráveis (VU), e a espécie pássaro-preto ou graúna (Gnorimopsar chopi) consta como quase ameaçada
de extinção. Assim, diante da divergência apontada, acolho a conclusão do Laudo de Perícia Criminal Federal (fls. 29), por ser mais benéfica ao acusado e afasto a causa de aumento de pena prevista no artigo 29, 4º, I, da
Lei nº 9.605/98. III - DISPOSITIVO POSTO ISSO, julgo procedente o pedido de decreto condenatório formulado na denúncia para o fim de condenar RENATO ADAUTO DE AZEVEDO nas penas previstas no artigo
296, 1º, inciso I, do Código Penal, e artigo 29, 1º, inciso III, da Lei nº 9.605/98. Passo, então, a dosar as penas aplicáveis, em estrita observância ao disposto nos artigos 59 e 68, caput, do Código Penal, e artigo 387,
incisos I a VI, do Código de Processo Penal. Considerando apenas a culpabilidade do réu, pois que agiu com dolo inerente à espécie e plenamente ciente da ilicitude de sua conduta, não possui maus antecedentes criminais
(fls. 83, 86, 102/v, 115/v, 166/169 e 176/180), sua conduta social e personalidade não foram devidamente apuradas, motivo pelo qual fixo a pena-base privativa de liberdade para o delito previsto no artigo 296, 1º, I, do
CP, em 2 (dois) anos de reclusão, e 10 (dez) dias-multa, e em 6 (seis) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa, pela prática do crime previsto no artigo 29, 1º, inciso III, da Lei nº 9.605/98. E, diante da inexistência de
qualquer outra circunstância judicial ou legal a ser levada em consideração, bem como a inexistência de agravante e atenuantes ou causas de aumento ou diminuição de pena, torno definitiva as penas privativas de liberdade
em 2 (dois) anos de reclusão e a 10 (dez) dias-multa para o delito descrito no artigo 296, 1º, I, do CP, e em 6 (seis) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa pela prática do crime previsto no artigo 29, 1º, inciso III, da Lei
nº. 9.605/98. No entanto, considerando, também, que a conduta do réu decorreu em mais de um crime diverso, reconheço o concurso formal de delitos, devendo prevalecer a pena fixada ao tipo penal do artigo 296, 1º, I,
do CP, por ser a mais grave, majorada em 1/6 (um sexto). Desta forma, fixo a pena definitiva em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 12 (doze) dias-multa, conforme artigos 70 e 72 do Código Penal) Fixo o diamulta em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo para o réu, vigente ao tempo do fato delituoso (07.2013), observado o disposto pelo artigo 60 do Código Penal. O réu poderá recorrer em liberdade. O regime inicial de
cumprimento da pena será o aberto (art. 33, 2º, c, e 3º do CP). Considerando a pena privativa de liberdade imposta ao réu, bem como seus antecedentes e que a medida seja suficiente para a reeducação, substituo-a por
duas penas restritivas de direitos (CP, art. 44, 2º, 2ª parte), no caso a de interdição temporária de direitos - criação de pássaros - (art. 44, 2.º, CP), pelo prazo da pena aplicada, e a de prestação pecuniária, no importe de
3 (três) salários mínimos (art. 44, 2.º, e art. 45, 1º, CP), facultando ao Juízo da Execução autorizar o parcelamento da mesma. Caso ocorra aceitação pelo réu, na audiência admonitória a prestação pecuniária pode consistir
em prestação de outra natureza a ser definida pelo Juízo da Execução. Condeno o réu ao pagamento das custas processuais. Transitada em julgada a sentença, deverá ser inserido o nome do réu no rol dos culpados, bem
como expedido ofícios ao INI, IIRGD e a Justiça Eleitoral (CF, art. 15, III). P.R.I. São José do Rio Preto, 13 de março de 2017 ADENIR PEREIRA DA SILVA Juiz Federal
0002025-88.2014.403.6106 - JUSTICA PUBLICA(Proc. 1567 - ELEOVAN CESAR LIMA MASCARENHAS) X DAVID SARTORI DA SILVA(SP225991B - JECSON SILVEIRA LIMA)
DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Data de Divulgação: 23/06/2017
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